terça-feira, 18 de agosto de 2009

Amor de bonecas




Eu cresci numa rua onde a maioria das crianças eram meninos. Fora eu só tinha mais duas que, diferente de mim, (que era um piá) eram cheias de fricotes e lacinhos.
Enquanto eu corria suada com meus amigos pela rua, uma ia à casa da outra e saia de lá à tardinha, buscada pela mãe.
Não, eu não falava com elas. Éramos simplesmente de mundos opostos e nada nos fazia crer que uma comunicação entre nós fosse possível.
Mas acontece que um dia, observando a rotina delas de entrar em casa e só sair à hora marcada, comecei a me sentir atiçada pela curiosidade.
Toda vez que elas se encontravam para entrar em casa eu dava um jeito de espiar ou tentar ouvir se elas falavam de algo que poderia ser a brincadeira que lhes tomaria aquele tempo, trancadas em casa. Elas logo perceberam meu interesse, pois também agora me olhavam enviesadas. Começamos a trocar comunicação visual. Elas me olhavam com um “-o que foi?” E eu encabulava, desviava os olhos e não contava o que me acometia.
Certo dia porem, elas ousaram mais. Estava eu a beber meu Nescau quando elas me chamaram ao portão de casa.
-Oi
-Oi
-Como é teu nome?
-Gabi…
Daí então papo vai, papo vem…
-Quer brincar lá em casa?
O mistério seria desfeito!
-Sim, quero.
Entramos. A casa era grande, o chão era lustroso e exalava cheiro de alfazemas, o quarto todo em rosa e branco com retratos da menina nas paredes, do lado da cama, caídas no chão, estavam três bonecas barbies, junto com algumas roupinhas e outros tantos brinquedos da mesma coleção. Era isso então?! Peguei uma das bonecas e fiquei em silêncio com ela nas mãos. Foi à primeira vez que tive uma assim. Nossa, era uma replica perfeita de uma mulher adulta! Passei a mão nos seios ondulados de borracha macia. Olhei rápido para baixo e…Não o sexo era como o dos anjos, não tinha.A bunda era de verdade, assim como os seios.
-Olha, pode brincar com essa.
A minha boneca emprestada, claro que era a mais usada também. Tinha uns cabelos picados (quem sabe algum irmão maldoso) pensei, a cabeça meio torta para um lado. Peguei uma canetinha e pintei uma estrela vermelha bem no rosto, antes que elas se espantassem com meu feito, declarei:
-A minha é a rocker!
Elas pareceram entender, pois brincamos felizes e absortas a tarde toda. E no outro dia e depois e depois eu só quis saber das meninas por um bom tempo.
Meus irmãos indignados com minha falta nas brincadeiras de rua me faziam piadas.
-Ai que chato ficar brincando de bonequinhas.
Eu não dava bola. Minha mãe adorou a idéia! Era convidada agora para a roda de chimarrão das mães das minhas novas amigas. Enquanto brincávamos no quarto elas tagarelavam na sala, sobre os filhos os maridos, enfim…Estávamos todas femininas e felizes.
Só que um dia entendi que só eu é que não era dona de uma das bonecas. Eu não podia levar a minha pra casa, brincar com ela sozinha, criar roupinhas novas nem me interessava já que a boneca não me pertencia.
Andava triste, remoendo minha não posse de algo desejado pela casa. Resolvi então confessar para minha mãe e lhe pedir que também me desse uma Barbie. Ela disse que ia ver, apressada para ir para o trabalho.
Dias e dias e nada da minha mãe me dar a Barbie.
Pobre de minha mãe, hoje penso, trabalhava até tarde em um mercado de caixa, a grana mal dava para pagar as contas e também se me desse um presente sem ter data especial meus irmão reclamariam certamente. Mas eu não entendia assim na época, é difícil para uma criança entender tudo que se encontra entre a vontade e o presente. Apenas sentia que não deveria choramingar se ela não me dava. Mas esperava.
Um dia, já quase perdendo a esperança de ganhar, eu sentada olhando desenho, ela chega com uma caixa.
-Já vale pelo teu aniversario, ta?
-Ta mãe!
Rasguei a caixa sedenta em ver minha boneca e…Surpresa! Era um boneco, um Ken e nem era original, era falsificado do Paraguai, tinha uma roupa de toureiro com camisa branca engomada, calça preta de cintura alta, com capa e tudo.
-Filha o camelô não tinha boneca, mas disse que esse era o namorado da Barbie.
Resignei-me. Não era de todo mal a final.
E no outro dia, as meninas felizes, disputaram-me entre tapas para que eu namorasse suas bonecas.

Um comentário:

  1. linda, linda. sensível ao extremo, consegui ver vc criança, brincando. saudades de você.

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